Nova legislação proíbe guarda compartilhada em caso de violência doméstica. Defensoria reafirma a importância dessa decisão

Já está em vigor a Lei 14.713/2023 que impede a guarda compartilhada de filhos quando há risco de algum tipo de violência doméstica ou familiar praticado por um dos genitores. A norma foi sancionada pelo presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, publicada no Diário Oficial desta terça-feira (31) e busca garantir o melhor interesse da criança ou adolescente no ambiente familiar.

O texto foi aprovado no Senado em março de 2023, e na Câmara dos Deputados, em agosto. A proposta modifica artigos do Código Civil (Lei 10.406/2002) e do Código de Processo Civil (Lei 13.105/2015) que tratam dos modelos possíveis de guarda na proteção dos filhos.

Conforme a nova Lei, nas ações de guarda, antes de iniciada a audiência de mediação e conciliação, o juiz deverá perguntar às partes e ao Ministério Público se há risco de violência doméstica ou familiar, fixando o prazo de cinco dias para a apresentação da prova ou de indícios pertinentes. Se houver, será concedida a guarda unilateral ao genitor não responsável pela violência.

Ou seja, quando não houver acordo entre a mãe e o pai, a guarda, que poderia ser compartilhada, não será concedida “se um dos genitores declarar ao magistrado que não deseja a guarda da criança ou do adolescente ou quando houver elementos que evidenciem a probabilidade de risco de violência doméstica ou familiar”, destaca o novo texto do Código Civil.

Essa é uma preocupação constante de assistidas que recorrem à Defensoria Pública do Estado do Ceará. Defensoras públicas que atuam no Núcleo de Enfrentamento à Violência Contra a Mulher (Nudem) e nas Varas de Família e nas Casas de Mulheres Cearenses, equipamento do Governo do Estado, expõem os relatos de mães, vítimas de violência doméstica, preocupadas sobre o bem estar dos filhos.

“As mulheres que são vítimas de situações de violência física, psicológica, moral, sexual ou patrimonial, todas previstas em lei, passam por essas situações, muitas vezes, na frente dos filhos. Essas crianças e adolescentes se tornam testemunhas de crimes bárbaros e encontram sérias dificuldades para reconstruir as próprias vidas. Os relatos das mães revelam que esses filhos estão com problemas psicológicos que foram gerados ou agravados pelos atos de violência que presenciaram. E a guarda compartilhada favorece isso, essa presença mais constante do agressor e favorece que ele fique presenciando ainda atos de violência do pai em relação à mãe. Além do mais, quando se estabelece a guarda compartilhada nesses casos, muitas vezes, as mães ficam sem notícias dos filhos, sem saber do que está de fato acontecendo, gerando uma nova violência psicológica”, pontuou Anna Kelly Nantua, defensora pública do Nudem Fortaleza.

Em 2020, uma pesquisa inédita da Defensoria mostrou que a violência doméstica é esquecida na tramitação processual. À medida que o processo avança em varas de família, mais os traços da denúncia original desaparecem dele. Isso transforma a demanda em algo ainda urgente de ser solucionado (como pensão, guarda dos filhos, divórcio, divisão de bens, etc), mas desconsidera o potencial ofensivo à integridade dessa mulher. Perigo esse que, na verdade, nunca deixou de existir porque a violência tem um ciclo crescente e letal.

Foram analisados processos originados no Núcleo de Enfrentamento à Violência contra a Mulher (Nudem) da capital cearense entre os meses de janeiro e julho de 2017. Dos 630 casos mapeados, 629 tramitaram nas 18 varas de família de Fortaleza e apenas um estava em vara cível. Houve acordo entre as partes em 205 ações, o que equivale a 32,53% do total. Mas apenas em um desses acordos (ou seja, em 0,48% das ocorrências) o juízo fez menção formal à violência doméstica, ainda que todas as peças iniciais façam referência ao tema – o que constata a invisibilidade da violência na tramitação processual.

A defensora pública Michele Camelo, que atua na 13a Vara de Família de Fortaleza, trabalha com essa temática diariamente. Ela encara a nova lei como uma grande vitória. “Durante muito tempo, a guarda compartilhada foi considerada obrigatória, o que significa dizer que, se não houvesse acordo entre os genitores, a guarda seria exercida de forma compartilhada, o que fazia com que mulheres tivessem que ter contato frequente com seus agressores.” Pontuou.

Ainda afirmou: “Para além do debate que existe da violência familiar, da violência doméstica, ser uma violência também contra a criança, não somente porque ela presencia, ela vivencia, como ela está do lado da sua mãe, que é sua pessoa de referência sofrendo, existe o fato de que a violência continua no tempo quando nós temos uma obrigatoriedade de discussão das atividades cotidianas entre os genitores quando um é o agressor. A nova lei, então, traz a possibilidade de uma guarda unilateral para essa mulher, para que ela não necessite da autorização desse pai agressor para as atividades cotidianas, para a discussão e acompanhamento do dia a dia da criança e do adolescente”, destacou Michele.

Fonte: Portal da Defensoria Pública do Estado do Ceará

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