Ainda sem receber a devida atenção no debate público, a violência doméstica contra mulheres indígenas tem sido denunciada por vítimas e lideranças desses povos. No Ceará, diversas etnias tentam dar visibilidade à causa, que pode ser combatida com a aplicação das leis Diana Pitaguary e Maria da Penha.
“Eu trago à tona a urgência de enfrentar essa realidade, que é tão dolorosa e tão clara a nós, mulheres indígenas, e que vivenciamos todo esse processo no nosso cotidiano. Nós, mulheres indígenas, somos os pilares essenciais das nossas comunidades; somos guardiões das tradições, da cultura e dos valores dos nossos povos, mas somos frequentemente alvo da violência física, emocional e da própria violência estrutural, uma realidade que não pode mais ser ignorada dentro dos nossos territórios”, disse a orientadora de célula da Secretaria Estadual dos Povos Indígenas (Sepince), Antônia Kanindé.
A fala de Antônia se juntou a de várias outras mulheres indígenas em audiência pública que aconteceu na Assembleia Legislativa cujo intuito era apresentar propostas ao Governo do Estado. Na ocasião, foi apontado o recente desmonte de políticas públicas indígena em gestão federal, o avanço do conservadorismo e a ausência de políticas de prevenção, principalmente nas escolas, para o aumento das estatísticas criminais.
Supervisora do Núcleo de Enfrentamento à Violência Contra a Mulher (Nudem) da Defensoria Pública, Jeritza Braga pontua a necessidade da execução de políticas públicas que trabalhem a questão do homem agressor, com incremento de grupos reflexivos e condicionando também como uma medida cautelar. Ressalta ainda a dificuldade que muitas mulheres indígenas têm de buscar socorro pelo fato de os territórios serem distantes dos equipamentos da rede de proteção.
“É importante a gente debater a questão das medidas protetivas. Como é que essa mulher indígena que sofre violência doméstica vai pedir uma medida protetiva se ela mora no mesmo território do agressor? Porque, na verdade, o território indígena é muito mais do que um local de residência; a gente sabe disso. Deve-se considerar essa questão. A gente precisa sensibilizar o poder público para criar mecanismos e saber como a gente vai lidar com essas situações”, enfatiza Jeritza Braga.
Membra da Associação das Mulheres Indígenas Tapeba (Amita), Kilvia Tapeba destaca a falta de conhecimento dos próprios direitos como o maior problema de muitas mulheres indígenas. Fala também sobre a perseguição que as vítimas sofrem após o pedido da medida protetiva, sobre a não efetividade no que diz respeito a essas medidas e sobre a falta de apoio a essas mulheres após a formalização da denúncia.
“A gente precisa combater o patriarcado e a naturalização da violência doméstica nas aldeias. Mas, pra isso, é preciso que a informação chegue até essas mulheres. Nós somos aprisionadas desde que nascemos ao nosso papel na comunidade. Nos prendem no lugar de ser mãe, de cuidar da casa, sem uma perspectiva de vida para além disso”, afirmou Kilvia.
Militante do combate à violência doméstica, a deputada estadual Larissa Gaspar chama a atenção para o fato de o Ceará ser o quinto estado mais violento do Brasil. Para ela, é fundamental também pautar a violência política de gênero, chegando a lideranças comunitárias e sindicais.
“A gente instalou na Assembleia a Frente Parlamentar de Combate à Violência Política de Gênero porque a gente tem visto muitas vereadoras, vice-prefeitas, prefeitas e até a nossa vice-governadora sendo alvo de ataques misóginos e machistas. A gente trouxe a Frente para justamente ser uma proteção para as mulheres que têm sofrido essa violência política de gênero, que se traduz em qualquer forma, qualquer ato de nos afastar dos espaços de poder e decisão”, declara a deputada.
Fonte: Defensoria Pública do Ceará