Os tentáculos do crime organizado no Ceará ocupam espaço que deveria ser preenchido pelo governo

Por Guilherme Theophilo

General do Exército

Sem presença efetiva do Estado em áreas essenciais como segurança, saúde e educação, o crime organizado se consolida como poder paralelo em comunidades vulneráveis do Ceará.

O avanço do crime organizado no Ceará deixou de ser um fenômeno restrito às periferias. Hoje, ele se impõe como uma força estrutural que ameaça diretamente a vida econômica, social e política do Estado. Onde o poder público falha em garantir segurança, oportunidades e serviços básicos, o crime ocupa esse espaço — e o faz com uma eficiência cruel.

Em muitos bairros e municípios, as facções criminosas passaram a ditar regras, impor “ordens” e intermediar conflitos locais. Onde o Estado não chega, o medo se torna lei. A ausência de políticas públicas consistentes em áreas como segurança, educação, saúde, assistência social e geração de emprego cria o terreno fértil para o aliciamento de jovens e o fortalecimento das redes de criminalidade.

A saúde pública é parte essencial desse enfrentamento. Comunidades sem acesso a postos de saúde, vacinação, atendimento psicológico e programas de combate às drogas tornam-se mais vulneráveis à influência das facções, que se aproveitam da ausência do Estado para oferecer “ajuda” e exercer controle social. O fortalecimento do Sistema Único de Saúde (SUS) nas áreas de risco — com equipes de saúde da família, acompanhamento materno-infantil e ações de saúde mental — é uma estratégia de prevenção à violência e de proteção social.

Essa realidade não se formou da noite para o dia. É o resultado de anos de descontinuidade administrativa, políticas improvisadas e de um sistema prisional que, em vez de recuperar, se tornou centro de comando de facções. O Ceará, que já figurou entre os estados com maior taxa de homicídios do país, vive hoje uma encruzilhada: ou o poder público retoma o controle social e institucional, ou continuará cedendo território ao crime.

O enfrentamento ao crime organizado precisa ir além da repressão policial. É preciso reconstruir a presença do Estado nos territórios vulneráveis — com escolas que funcionem, unidades de saúde ativas, políticas de esporte e cultura, e oportunidades reais de trabalho. Segurança pública não é apenas polícia: é política pública.

Enquanto o governo não ocupar o espaço que lhe pertence por dever constitucional, os tentáculos do crime continuarão se expandindo, travestidos de poder paralelo, alimentando o medo e enfraquecendo a confiança nas instituições. O preço dessa omissão é pago, todos os dias, pela população mais pobre e mais esquecida.